Panegírico

Panegírico em louvor a Maura de Senna Pereira - 04/10/1904 - 21/01/1991

Por: Oilson Carlos Amaral

Apresentado no dia 31 de outubro de 2023, às 20h00min, na Sala de Reuniões da ALP - Centro de Palhoça - SC.

 

Exmo. Presidente da Academia de Letras de Palhoça, Sr. Ney Santos,

Prezadas e Prezados membros da Diretoria da Academia,

Exmo. Presidente da Academia de Letras de Biguaçú, Sr. Carlos Caldas,

Exma. Presidente da Academia de Letras de Santo Amaro, Sra. Maria Eliete Abreu,

Exmos. Representantes de outras entidades, ANACLA, GPL, GPT, ALF.

Exmo. Secretário de Cultura do Município de Palhoça, Sr. Caio Dorigoni,

Exmo. Presidente da Fundação de Esporte e Cultura de Palhoça, Sr. Jefferson Ramos Batista,

Prezados Confrades e Confreiras,

Distintos Convidados e Convidadas,

É com grande honra e profundo respeito que me dirijo a todos e todas, nesta solene ocasião, para prestar um merecido panegírico à notável professora, jornalista, escritora e poeta, Maura de Senna Pereira. A presença de cada um de vocês nesta assembleia é um testemunho da importância que atribuímos não apenas a esta homenagem, mas também ao compromisso com a cultura, as letras e o enriquecimento intelectual da nossa comunidade.

Hoje, unidos por laços que transcendem as fronteiras do tempo e da tradição literária, celebramos não apenas a memória de Maura de Senna Pereira, mas também o poder da palavra escrita e falada, que tanto tem contribuído para a civilidade da nossa sociedade. Cada um de nós, de maneira única e significativa, representa um elemento essencial neste ecossistema literário que a Academia de Letras de Palhoça representa.

Dedicamos este momento a expressar nossa gratidão pela presença de todos e pela oportunidade de compartilhar reflexões e sentimentos inspirados pela vida e obra de Maura de Senna Pereira. Que este encontro nos inspire a continuar a promover as letras, a cultura e a literatura, em nome da nossa estimada patrona e em benefício da nossa comunidade.

Agradeço, pois, a atenção de todos, e os convido a compartilhar este momento de reflexão e celebração.

O louvor que alegremente fazemos aos nossos imortais é um recurso literário clássico e necessário para mantermos viva, em nossos corações e na cultura da nossa sociedade, a chama dessas almas tão especiais que, de maneira divina, criaram e nos mostraram os caminhos da literatura que hoje seguimos.

Quiçá um dia, também nós, possamos ser merecedores de alguma homenagem.

A vida é peculiar com suas aproximações, que nem sempre são casuais. É assim que me sinto em relação à ocupação da Cadeira 31, que tem como patrona Maura de Senna Pereira e que a mim foi agraciada por esta colenda academia de letras, por honra e mérito.

Nossa homenagem a Maura (permitam-me, em alguns momentos, chamá-la assim) seguirá os seguintes tópicos, para abordar diferentes aspectos de sua vida e de suas contribuições:

I – Síntese Biográfica

II – Glórias e Lutas

III – Obras literárias de destaque

IV – Homenagem dos 100 anos de nascimento, na ALESC

V – Conclusão

 I – Síntese Biográfica

Iniciamos esta singela biografia da nossa homenageada, com um pequeno poema, por ela escrito:

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Maura de Senna Pereira, professora, jornalista e poetisa, nasceu em 10 de março de 1904, na Rua Deodoro, Florianópolis, Ilha de Santa Catarina. Ela veio de uma família unida, com laços de parentesco entre seus pais, José de Senna Pereira e Amélia Regis de Senna Pereira.

Seus pais eram primos e tiveram uma infância próxima. Desde cedo, José demonstrou carinho por Amélia que se tornou sua única namorada e, mais tarde, sua esposa.

Quando se casaram, os pais de Maura construíram uma pequena casa perto do atual Mercado Público, no centrinho, ainda pouco habitado em 1904. A casa era cercada de belezas naturais, com jardins e o perfume florido das damas-da-noite. A família podia contemplar o mar e as estrelas.

No local, agora existem arranha-céus e lojas comerciais, e o mar foi afastado devido aos aterros e à modernização.

Maura teve lembranças preciosas e cresceu percorrendo as mesmas ruas que o grande poeta Cruz e Sousa também percorreu.

Da sua infância até a adultez dos vinte e dois, a ligação ilha/continente era feita por barcos e balsas. A icônica Ponte Hercílio Luz, somente seria construída em 1926.

Maura teve família marcada por união, carinho, amor mútuo e também dores.

O pai, José de Senna Pereira, nascido em 1877, filho de pequenos fazendeiros de São Miguel do Oeste, interior de Santa Catarina, foi um homem instruído.

De acordo com Maura, ele era conservador e austero, mas também amoroso.

Em sua juventude, José colaborou com várias publicações e atuou como redator no jornal O Mercantil.

Autodidata, ele possuía uma cultura invejável e uma pequena biblioteca com obras de autores como Shakespeare, Victor Hugo e Camões, além de livros de contabilidade, sua especialidade. Sua cultura e habilidades atraíam discípulos, levando-o a fundar o Curso Prático de Comércio e, posteriormente, o Instituto Comercial de Florianópolis.

A Escola Técnica do Comércio Senna Pereira foi estabelecida em sua homenagem por ex-alunos.

Além de suas contribuições educacionais, José Senna Pereira foi um dos fundadores da Igreja Presbiteriana de Florianópolis, onde ele se tornou um membro respeitado e um oficial ativo, frequentando os cultos com sua família.

José de Senna Pereira faleceu em 1923 (46 anos), sem ter a chance de conhecer seu filho Samuel, que nasceria cinco meses depois.

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A mãe, Amélia Régis de Senna Pereira, nascida em 1885 na antiga Desterro, era filha de Francisco Carlos Ferreira Régis e Benvinda de Azevedo Régis e considerada uma heroína por Maura. Ela compartilhou momentos felizes com sua família, mas também enfrentou tragédias ao perder três dos filhos: Zaura, Saul e outro Saul ainda na infância. Dois outros filhos, Carlos e Carmem, também faleceram jovens, por afogamento no mar e suicídio, respectivamente.

Após a morte de José, a jovem professora Maura assumiu a responsabilidade de cuidar de seus irmãos e de sua mãe, que estava grávida na época.

A família era composta por doze irmãos: Maura, Zaura, Roberto, Carlos, Ruth, Ilka, Carmem, Saul, Saul, Zaura, José Filho e Samuel. Era uma tradição familiar repetir nomes; quando um irmão falecia outro herdava seu nome.

A mãe de Maura faleceu em 1962 (77 anos) devido a uma pneumonia.

Em 1921, aos dezessete anos, Maura terminou o Curso Normal e, em 19 de setembro, a fim de guardar uma lembrança das colegas de classe, preparou um álbum para que estas escrevessem poemas de livre escolha, como era uso entre as moças da época. Nos versos, vemos o estilo preferido; a maioria são sonetos de autores como Olavo Bilac, Camões, Castro Alves, Casimiro de Abreu, Cruz e Sousa e também da poetisa catarinense Delminda Silveira.

Casada em 1931 com o acadêmico de Direito Dorval Lamotte, viveu um tempo em Porto Alegre, mas a união não durou muito; logo após, voltou para Santa Catarina, onde também não permaneceu por muito tempo. No entanto, quando se mudou para o Rio de Janeiro, ganhou maior liberdade na expressão de suas letras, uma vez que naquela cidade o preconceito era consideravelmente menor do que na pequena Florianópolis.

Em 1941, aos 37 anos, Maura conheceu o poeta e humanista mineiro Almeida Cousin, com quem refez sua vida amorosa.

Cousin era membro da Academia Espírito-santense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e da Federação das Academias de Letras do Brasil. Além disso, ele escreveu uma variedade de livros, incluindo poesia, memórias, obras didáticas e científicas, teses e traduções, como a notável tradução das "Odes de Anacreonte" diretamente do grego.

A inteligência e o envolvimento de Almeida Cousin com o jornalismo e as letras provavelmente foram fatores que o aproximaram de Maura de Senna Pereira.

Embora não tenha ocorrido um casamento formal entre eles, Maura e Cousin compartilharam uma vida juntos por 50 anos.

Diferentemente de seus primeiros casamentos, dele e dela, este foi guiado pelo verdadeiro amor.

Maura se referiu a Cousin como o grande amor de sua vida.

Tanto Maura quanto Cousin não tiveram filhos de seus primeiros casamentos, e essa condição permaneceu quando se uniram. Maura, como muitas mulheres, sonhava em ser mãe e lamentava não poder ter filhos. Isso a entristecia, mas não a impedia de escrever sobre o tema. Seu poema "Maternidade" reflete essa experiência.

Em 11 de março de 1991, um dia após o aniversário de Maura, José Coelho de Almeida Cousin faleceu no Rio de Janeiro, aos noventa e quatro anos de idade.

No ano seguinte, em 21 de janeiro de 1992, foi a vez de Maura. Hospitalizada, faleceu aos oitenta e oito anos de idade.

Apesar do desejo expresso em seu poema "Testamento" de ser "espalhada pelos ventos, num gesto de quem espalha semente", Maura de Senna Pereira foi enterrada no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro.

II – Lutas, Artes e Glórias

Em 1923, após a morte prematura de seu pai, Maura assumiu o sustento da casa aos dezenove anos e não se deixou abater. Além de trabalhar como professora, formou-se em jornalismo e, seguindo, trabalhou em diversos jornais e revistas ao longo de sua carreira.

Em Santa Catarina, contribuiu para publicações como O Elegante, O Atalaia, O Josephense, O Tempo, A Semana, Folha Nova e República.

Nessa época, já existia a Sociedade Catarinense de Letras, que, mais tarde evoluiria para Academia Catarinense de Letras.

A ideia de fundar uma Academia de Letras em Santa Catarina havia surgido em 1912 por meio do jornalzinho literário O Argo, fundado por Altino Flores e José d'Acampora. A ideia, entretanto, não se concretizou devido à necessidade de preencher quarenta cadeiras com nomes ilustres, algo que Florianópolis não tinha em número suficiente. Além disso, havia exigências de qualidade que deveriam seguir o padrão estabelecido pelos intelectuais da época.

Na Ilha de Santa Catarina, a influência dos parnasianos era forte e a sociedade era bastante conservadora. Os jornais da época frequentemente publicavam sonetos, tanto de autores renomados, como Bilac, quanto de escritores locais, que os usavam para comemorações, homenagens ou até mesmo para dar conselhos.

“O Parnasianismo foi um movimento literário que teve seu auge na segunda metade do século XIX, especialmente na França, mas também teve impacto em outros países, incluindo o Brasil. Os parnasianos valorizavam a estética, a forma e a linguagem cuidadosamente trabalhadas em suas obras, e eram conhecidos por buscar a perfeição técnica em sua escrita.

Os parnasianos frequentemente escreviam poemas caracterizados por:

1. Objetividade: Eles buscavam descrever eventos, cenas e objetos de forma objetiva, evitando expressar emoções ou opiniões pessoais. A objetividade era uma característica marcante do estilo parnasiano.

2. Rigor formal: Os parnasianos eram meticulosos na escolha de palavras, métrica e ritmo, priorizando a forma poética sobre o conteúdo emocional. Eles eram conhecidos por utilizar métricas fixas, como o soneto, e se esforçavam para atingir a perfeição técnica em suas composições.

3. Temas clássicos e históricos: Os temas abordados pelos parnasianos frequentemente incluíam a mitologia, a história, a arte e a natureza, e eles buscavam inspiração em fontes clássicas e históricas.

4. Rejeição do sentimentalismo romântico: Os parnasianos se opunham ao sentimentalismo excessivo do movimento romântico, que valorizava a expressão emotiva e subjetiva. Em vez disso, buscavam a racionalidade e a contenção emocional em suas obras.

No Brasil, poetas como Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia foram figuras proeminentes do Parnasianismo. Eles contribuíram para a evolução da poesia brasileira, influenciando as gerações posteriores de escritores e contribuindo para a diversificação do cenário literário no país. ”

A pureza gramatical era uma regra estabelecida, sobretudo por Altino Flores e Barreiros Filho, os principais responsáveis pela clareza e domínio da linguagem que Maura possuía.

Politicos

Seus professores exigiam perfeição na escrita.

Em 1924, inspirando-se na Academia Brasileira de Letras, a então Sociedade Catarinense de Letras passa a ser denominada Academia Catarinense de Letras (ACL).

Ao contrário de outras academias semelhantes, a ACL contou com mulheres em seus quadros desde o início, com Maura de Senna Pereira sendo a primeira titular da cadeira 38 e Delminda Silveira a primeira da cadeira de número 10.

A primeira acadêmica catarinense conseguiu cada vez mais espaço como jornalista, escritora e mulher. Sua página no jornal República e seus textos eram conhecidos em vários pontos do país e a posse foi assunto em jornais e revistas brasileiras.

A Academia Carioca, e outras, que até então não aceitavam mulheres, agora seguiam o exemplo da Academia Catarinense.

No entanto, a Academia Brasileira de Letras somente em 1977 (53 anos depois) deu espaço a uma mulher. Em quatro de agosto Raquel de Queiroz foi eleita e, em quatro de novembro, ocupou a cadeira nº.5.

Neste contexto, de direitos da mulher, é de se relembrar alguns fatos curiosos:

“Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher (1953): determina o direito ao voto em igualdade de condições para mulheres e homens, bem como a elegibilidade das mulheres para todos os organismos públicos em eleição e a possibilidade, para as mulheres, de ocupar todos os postos públicos e de exercer todas as funções públicas estabelecidas pela legislação nacional.

Aprovada pelo Brasil em 20 de novembro de 1955, por meio do Decreto Legislativo no. 123. Sua promulgação ocorreu em 12 de setembro de 1963, pelo decreto no. 52 476.

Em 18 de dezembro de 1979, foi promulgada, no âmbito das Nações Unidas, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, frequentemente descrita como uma Carta Internacional dos Direitos das Mulheres. ”

III – Obras literárias de destaque

Maura se destacava não apenas por sua educação avançada e suas ideias progressistas para a época, mas também por sua ousadia na escrita e habilidade excepcional com as palavras, além de sua beleza.

Seu início no jornalismo aconteceu no jornal O Elegante, onde trabalhou de 1923 a 1925. Inicialmente, ela usou o pseudônimo Alba Lygia.

Conforme continuou a escrever, Maura deixou de usar o pseudônimo e passou a ser reconhecida por seu próprio nome ao assinar seus artigos.

Durante sua passagem pelo jornal O Elegante, ela contribuiu com a seção quinzenal sobre Feminismo. Em 31 de maio de 1925, Maura publicou o texto "Volvamos nossas vistas para o porvir", dirigido especialmente às mulheres, com grifos nossos:

"Nestes últimos tempos, com especialidade, muito se há pregado uma profissão para a mulher. Que ela se não dedique exclusivamente à aprendizagem de encargos domésticos e prendas essencialmente feminis. E o que é mais: que não vivam unicamente a cuidar de si, para aparecer bem, bem mascarada, à força de “rouge, carmim e crayon”, vivendo a vida material das futilidades e do coquetismo, das mentiras de salão, cuidado de modas e de “flirt”, em busca do marido rico, de invejável posição social, a quem levará leviamente o coração e a vida, sem a menor reflexão, quase sempre sem amor, e que lhe assegurará a mesma existência cômoda e “chic”.

Não é a primeira vez que uma mulher enxerga esse princípio ruim, cumprido tão fielmente pela maioria do mundo feminino, nem é a primeira vez que o declara. O que a mim me pareceu, porém, é que, absolutamente, não é desnecessário que mais uma vez se levante e clame contra esse mal da educação, infelizmente, tão generalizado.

É mesmo necessário que o façam ouvir neste momento, para a regeneração social, para o bem do lar e das gerações, para a felicidade da mulher. É pensando assim que componho este artigo, com toda a minha franqueza e lealdade.

A mulher necessita - está claro - de dar um novo rumo à sua vida. Necessita de instrução. Já vai perdendo a graça e os adeptos, já estão caindo da moda o velho conceito, ainda enunciado, com certos ares de presunção, por alguns representantes do sexo oposto: “A mulher precisa, só e exclusivamente, de saber ser boa dona de casa”. Isto não basta! É iníquo, é duro, é absurdo! Quando solteira, precisando manter-se que mulher será se ela, tão somente, souber ser “boa dona de casa”?

E quando casada, quando por uma dessas infelicidades tão comuns, o marido perde o emprego, justa ou injustamente, adoece ou fica inutilizado, que será do seu lar, que será “dos filhos da alma”, se ela não os amparar, pondo-os a salvo da miséria com sua profissão? E quando enviúva, se arrimo, falta de recursos, carregada de filhos?

Em qualquer circunstância, enfim, a que lhe falte o apoio do pai ou do esposo ou que não lhe baste esse apoio material - como tão frequentemente sucede - se não tiver ela aptidões que lhe permitam ganhar honesta e independentemente a sua vida, prover a sua manutenção e salvaguardar da miséria, do frio, da fome, do vício, da nudez, os queridos entes a quem tem a enorme e sagrada responsabilidade de alimentar, vestir e proteger, será forçoso optar: ou ser parasita, sofrer dependência ou abraçar a desonra!

Como eu quisera, como eu desejava que todas as mulheres se levantassem, se unissem, para a real efetivação do belo sonho: buscar a felicidade no aproveitamento do tempo, não educação das faculdades, no trabalho. E é mesmo muito, muito preciso o soerguimento mínimo para esse surto reparador, porque o homem, creio - creio-o convictamente - não faz nada pela mulher.

Dos que falam em favor dela e do seu progresso, muito poucos o fazem com sinceridade e convicção, olhando com simpatia para a causa tão justa da mais casta e da mais sacrificada metade do gênero humano. A maioria é por galanteio, lisonja, para agradar aquela que nasceu para o seu prazer, que precisa de mimos, esse ente inferior na inteligência, incapaz de pensar, incapaz duma iniciativa mais forte e mais viril, para o qual olho com os olhos de superioridade. Outros deixam escapar, sobre a mulher, expressões dúbias, opiniões humorísticas, engraçadas, irônicas, de causar nojo e indignação.

Outros ainda, sem rebuços, muito às claras, formalmente se manifestam contra todo e qualquer progresso intelectual feminino.

Há bem poucos dias, conversando com um distinto rapaz de sociedade, em abono do meu sonho delicioso de mulher que sente e deseja o melhoramento do seu sexo, tratando, pois, o assunto ora em foco, expus-lhe, em traços gerais, resumidamente, o que acabo de escrever para as minhas conterrâneas. Concordou, ou pareceu concordar, mas acabou dizendo que a mulher, na hora horrorosa, critica da necessidade, “trabalhe em doces ou na costura”.

É alarmante!

Precisamos, portanto, de reagir, companheiras! Formemos, catarinenses, uma tenda de trabalho, de abnegação, de amor, de desenvolvimento moral, econômico e social, de intelectualidade sugestiva e boa. Rompamos com os prejuízos e volvamos nossas vistas para o porvir, companheira!"

Com esse texto no início de sua carreira jornalística, Maura confirmou seu pensamento sobre a mulher, um tema que ela sustentaria ao longo de toda a sua vida.

A Maura feminista buscava conscientizar as mulheres catarinenses sobre a importância de libertar-se das amarras do preconceito que as moldava, incentivando-as a romper com o comodismo que as aprisionava. Ela enfatizava a necessidade da instrução, defendendo que as mulheres não deveriam se acomodar, mas sim buscar o desenvolvimento de uma vida independente.

Maura não se limitou a um único estilo literário em suas colunas, abrindo espaço para poemas de autores românticos, simbolistas, parnasianos e modernistas. Ela acolheu a todos, visando diversificar sua seleção. Poetas de diversas escolas literárias e regiões encontraram espaço em suas páginas. Sua escrita sempre se destacou pela modernidade.

Mesmo quando o Modernismo demorou a se estabelecer em Florianópolis, Maura ousou explorar além dos sonetos, preferindo versos livres, ricos em poesia.

A obra de Maura é muito rica e ampla o suficiente para não caber no texto desta singela homenagem. Seus textos jornalísticos, ainda em Santa Catarina, eram republicados em outros jornais do país. Quando no Rio, ganharam maior volume e notoriedade.

Tanto quanto no jornalismo, Maura também se consagrou na poesia, com seus poemas de múltiplos vieses e sentimentos.

Segue, pois, o rol das obras de Maura:

1. Cântaro de Ternura (1932): Primeiro livro de Maura, onde ela apresentou sua poesia sensível e delicada;

2. Poemas do Meio-Dia (1949): Temas relacionados ao cotidiano e à natureza;

3. Círculo Sexto (1959): Obra marcada pela sensibilidade e profundidade emocional;

4. País de Rosamor (1962): Obra prima da poetisa, foi dedicado ao seu amor Almeida Cousin, tendo sido comentado pela imprensa e por grandes autores brasileiros;

5. Busco a Palavra, Nós e o Mundo (1976): Olhar crítico sobre a sociedade e a relação entre indivíduos, bem como a busca constante da autora pela palavra como expressão artística.

6. A Dríade e os Dardos (1978): Exploração poética do mito da dríade (espírito da natureza) e seu relacionamento com os dardos (setas), simbolizando, talvez, a dualidade da natureza frágil e de uma humanidade agressiva;

7. Despoemas (1980): O título sugere uma desmotivação pessoal em relação à poesia da vida, pois, na época, a poetisa enfrentava um momento difícil. Seu marido, Cousin, havia sido atropelado e passou um mês no hospital. Maura estava dedicada a cuidar dele, que havia sofrido traumatismo craniano e tinha recuperação lenta.

8. Cantiga de Amiga (1981): Abordagem poética mais pessoal e emocional, com foco nas relações interpessoais;

9. Verbo Solto (1982): Linguagem mais livre e descontraída na poesia, quebrando regras convencionais;

10. Poemas-Estórias (1984): Combinação de poesia e narrativa, criando histórias poéticas;

11. Poesias Reunidas e Outros Textos: Seleção de poesias e outros textos da autora;

12. Antologias Coletivas: Poemas de Maura em coletâneas de vários autores.

Representação na cultura:

  • Membro da Academia Catarinense de Letras, onde ocupou a cadeira 38;
  • Patrona da cadeira 14 da Academia Catarinense de Letras e Arte;
  • Patrona da cadeira 31, da Academia de Letras de Palhoça - SC;
  • Cedeu o nome à Escola de Ensino Básico Professora Maura Senna Pereira, em Pinheiro Preto, Santa Catarina.

IV – Homenagem dos 100 anos de nascimento na ALESC

No dia 27 de julho de 2004, a Assembleia Legislativa de Santa Catarina (ALESC), em sua 2.a Sessão Legislativa da 15ª Legislatura, tendo à mesa seu Presidente, Sr. Volnei Morastoni e seu 1.º Secretário, Sr. Altair Guidi, dentre outras autoridades, promoveu sessão solene em homenagem a passagem do centenário do nascimento da professora, jornalista, escritora e poetisa catarinense, Sra. Maura de Senna Pereira, esta, nascida em 1904.

A sessão foi convocada e conduzida pelo Deputado Afrânio Boppré, em conjunto com a Academia Catarinense de Letras e o Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.

Além dos citados, e de outros,  a mesa também contou com a presença das seguintes autoridades: o Excelentíssimo professor Lauro Junkes, Presidente da Academia Catarinense de Letras; a Sra. Fernanda Campos Lobo Silva, sobrinha da poetisa Maura de Senna Pereira; o Ilustríssimo professor Francisco José Castilhos Karam, Chefe do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina; o Excelentíssimo professor Carlos Humberto Corrêa, Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina; e o Excelentíssimo Sr. Salomão Ribas Júnior, Presidente do Tribunal de Contas do Estado;

Depois de suas palavras de abertura da sessão, o Deputado Afrânio Boppré, passou a palavra ao Sr. Salomão Ribas Júnior, que, na sua fala introdutória, assumiu ter tido o privilégio de suceder a Maura na Cadeira 38 da Academia Catarinense de Letras.

E, seguindo, citou ter colhido, da jornalista Colaca Grangeiro e do confrade Silveira de Souza, a seguinte produção, da Revista Cultura (1990):

"Maura de Senna Pereira é a maior expressão feminina da poesia catarinense. Talento reconhecido por todos que acompanham a produção literária no Estado, ela ocupa essa posição há mais de seis décadas, levada pela força de sua poesia, pelo brilhantismo na atuação como jornalista, pela gana e coragem com que rompeu as barreiras conservadoras da sociedade da época em que viveu em Florianópolis.

Poderíamos apontar Maura, também, como uma das pioneiras do feminismo em Florianópolis, na década de 20.

Quando era possível às mulheres um inexpressivo e subalterno lugar na sociedade, Maura, impulsionada pela precocidade de seu talento e também pelas necessidades econômicas da família, era uma mulher que tinha vez e voz.

‘Fui uma moça rebelde e uma menina sofredora’, assim ela sintetiza sua biografia.

Ela foi a primeira mulher a ocupar um lugar na Academia Catarinense de Letras e uma das acadêmicas pioneiras na América. Sem candidatar-se, foi eleita para a Cadeira que tem como patrono o matemático, professor e militar Roberto Tropowsky.

Sua indicação teve o patrocínio de Henrique Fontes e outros intelectuais importantes que organizavam a nascente Academia Catarinense de Letras.

Tinha apenas 23 anos.

A 30 de outubro de 1930, com 27 anos, em cerimônia festiva do Palácio do Congresso ou Assembleia Legislativa de então... tomou posse.

Foi introduzida por ninguém menos que Nereu Ramos e foi recepcionada com o discurso de José Boiteux, fundador da academia e seu Presidente.

Agradeceu diante de acadêmicos do porte intelectual de Clementino Brito, Laércio Caldeira, Oswaldo Melo, Othon D’Eça, Edmundo Moreira, Heitor Luz, José de Diniz, Haroldo Callado e citou, entre os seus mestres, Barreiros Filho e Altino Flores."

Concluindo sua fala, Salomão lembrou que na imprensa escrita daquele dia, com destaque para o Diário Catarinense e o jornal A Notícia, houve matéria de página inteira dedicada a Maura.

Na fase mais conclusiva da sessão, a Sra. Fernanda Campos Lobo e Silva, sobrinha da poetiza e representante da família Senna Pereira, proferiu sensível discurso, onde expressou profunda gratidão pela homenagem a Maura.

Ela destacou a Maura como escritora, professora e tia carinhosa que enriqueceu sua infância com histórias encantadoras.

Também mencionou a generosidade de Maura em receber amigos e familiares em seu apartamento do Rio e como ela era uma mulher à frente de seu tempo, nunca se curvando diante dos poderosos.

A importância do amor na vida de Maura foi enfatizada pela sua união com Almeida Cousin por quase cinquenta anos.

O discurso de Fernanda terminou com agradecimentos em nome da família.

Encerrando-se a sessão legislativa, a Sra. Fernanda Campos Lobo e Silva, o professor Carlos Humberto Pederneiras Correia e o Professor Lauro Junkes receberam, do Deputado Afrânio Boppré, em nome do Poder Legislativo barriga verde, a placa comemorativa aos 100 anos de nascimento de Maura de Senna Pereira.

V – Conclusão

Além de seus dramas pessoais, é de se notar que a jovem Maura viveu as dores da primeira guerra mundial aos seus dez anos, em 2014 e, dos 35 aos 40, igualmente sofreu com as dores da segunda guerra mundial, iniciada em 1939.

E depois da segunda guerra, a vida ficou difícil para todos – uma nova ordem mundial havia que se estabelecer desde os destroços das construções e das almas doídas daqueles que sobreviveram com perdas imensuráveis.

Outras dores sobrevieram, decorrentes de processos e modelos nem sempre justos.

Talvez seja por isso que, numa fase mais conclusiva da sua vida, em Despoemas (1980), Maura se desnuda em suas percepções e contestações através de um poema que quero ler para as senhoras e os senhores neste encerramento de minha fala.

Antes de ler quero ressaltar que o poema de Maura é construído em apenas dois versos e duas frases. Cada verso, uma frase. Uma construção literária admirável onde ela critica um mundo que ela chama de imundo, com ditaturas, torturas e fome e onde, ao final, ela saúda e espera a chegada de um tempo com dias melhores, tempo este que ela chama de Nova Gênese:

 

“EU NÃO VEREI A AURORA

Quando este mundo imundo desabar

Caírem as ditaduras, a ignomínia das torturas

Tiver fim, os povos forem

Livres e fartos, as castanhas saltarem

Festivas em todos os pratos

A longa noite acabar

Eu não verei a aurora.

 

Eu não verei a aurora

E saúdo com aleluias

Todos aqueles que a verão

Temendo somente quer ela não venha

Logo resplandecente e, ao surgir,

Traga ainda estigmas do século

Pálidos painéis de guerras e holocaustos

Sombrias manchas de mártires e déspotas

Sinistras forças esmaecendo

Ainda doendo antes de tragadas

Pelo esplendor da nova gênese. ”

O que diríamos hoje a professora, jornalista e poetisa Maura, se pudéssemos?

Eu, Oilson Amaral, diria:

- Maura, temo que nós também não veremos a Aurora.

Obrigado Maura de Senna Pereira, por existir e tornar nossos dias mais belos e mais reflexivos.

E obrigado a todos e a todas por me ouvirem.

 


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