Discurso de posse

DISCURSO DE POSSE NA ACADEMIA DE LETRAS DE PALHOÇA, EM 24/05/2022

ACADÊMICO: OILSON CARLOS AMARAL

 

Senhora Presidente Sônia Terezinha Ripoll Lopes, digníssima presidente da Academia de Letra de Palhoça, meus cumprimentos.

Em seu nome estendo meus cumprimentos aos integrantes da mesa, às autoridades e às senhoras e senhores presentes.

Na Antiguidade, se acreditava que a arte da escrita vinha dos deuses.

Os gregos pensavam tê-la recebido de Prometheus, o Deus que transmitia conhecimentos e ensinava a pensar e raciocinar.

Os egípcios pensavam tê-la recebido de Toth, igualmente o Deus do conhecimento.

Para os sumérios, a Deusa Inanna havia roubado a arte da escrita de Enki, o Deus da água e também da sabedoria.

Um pouco de religião, um pouco de mitologia, na forma de crônicas e de poemas, gravadas em pedras de argila, no formato cuneiforme, tipo figuras, nos trazem notícias de um mundo onde a LITERATURA debutava, por volta de cinco mil anos atrás, na antiga Suméria, mais abundantemente, na Mesopotâmia.Mas podemos considerar a mitologia dos povos antigos como LITERATURA?Sim, porque eram textos livres, relatos não científicos, que nos mandavam mensagens do modo de viver de nossos primevos ancestrais.

Pessoalmente estou a falar desse tema antigo e desse povo longevo por dois motivos:

Primeiro porque me anima muito saber que nessa época:
- já se tomava cerveja e
- se bebia bons vinhos.

Tais fatos se retratam em pelo menos dois dos primeiros poemas do mundo, ambos herdados da antiga Suméria, a saber:- Enuma Elish, o poema que nos fala da criação do homem segundo aquela mitologia;

- O Épico de Gilgamesh, o poema onde se relata a epopeia de um poderoso Rei em busca da sua imortalidade.
- O Épico de Gilgamesh, o poema onde se relata a epopeia de um poderoso Rei em busca da sua imortalidade.

E o segundo motivo seria porque reconhecemos como escritores, esses seres maravilhosos do passado, que se esmeraram em imortalizar a sua sensibilidade, a sua visão de mundo e a sua empatia civilizatória enviando para o futuro, no caso para nós, 5000 anos depois, esses poemas pictográficos cravados em pedras quase indestrutíveis de argila.

Como é bonita e importante a arte da escrita livre, no caso a literatura.Quão mais pobre seria o nosso conhecimento desse povo antigo, nossos ancestrais, não fosse a arte literária?Voltando ao presente, vemos a Academia de Letras de Palhoça, com sua Presidente Sônia Terezinha Ripoll Lopes, Seu Vice-Presidente Rudney Otto Pfutzenreuter, seus demais membros da Diretoria, seus membros ocupantes das cadeiras dos patronos, seu conselho fiscal, todos neste exato momento, com tanto afinco quanto o de nossos antepassados, a lutar pelo direito de presentear as gerações futuras, em prosas e versos, dentre outros gêneros, os instantâneos dos processos civilizatórios do nosso meio e, em especial, da Palhoça que nos acolhe.

Além da ALP, nossos agradecimentos também aos gestores de organizações culturais aqui presentes, notadamente Academias e Associações de Letras, dentre outras. As senhoras, os senhores, engrandecem enormemente a cultura de palhoça, de Santa Catarina e além.

Depois dos poemas em argila, da antiga Suméria, a arte da escrita se modernizou muito e com certeza se tornou um dos pilares da construção e do progresso da sociedade contemporânea mundial.

Antigas histórias e lendas que passavam de boca em boca, de geração em geração, ganharam complexidade e significado a partir da palavra escrita. Da escrita surgiram as grandes religiões modernas, surgiram leis que constituem nações, contratos familiares, contratos corporativos, etc.

Resulta que a escrita está presente em todos os momentos significantes de nossas vidas e graças a ela temos regras claras que nos permitem viver em harmonia e prosperar com civilidade.

Se era difícil escrever na argila há 5000 anos, hoje é extremamente fácil escrever ou ditar em inúmeros aplicativos.

Da pedra para o smartphone foi um grande salto.

Entretanto a Literatura, entendida como tal a arte de escrever livremente, continua sobrevivendo em ambiente inóspito, pedregoso, quase sempre às custas de investimentos de seus próprios autores.

Vemos as iniciativas das organizações literárias que nos acolhem e nos incentivam como um ato de resistência cultural ante este mundo financeiramente tão resistente à principal de suas artes.

É fundamental que todos nós estejamos unidos no conhecimento, na revisão e na criação de leis, federais, estaduais e municipais, que subsidiem financeiramente, através de requerimentos em projetos bem elaborados, a divulgação e a popularização de nossas obras.

A vida é um tanto curiosa com suas aproximações, nem sempre casuísticas. É assim que me sinto em relação à ocupação da Cadeira 31, da Patrona Maura de Senna Pereira, a mim agraciada, por merecimento, pela Academia de Letras de Palhoça.

A Jornalista, e escritora, Maura nasceu em 1904 e faleceu em 1992, aos 88 anos.Nasceu em Florianópolis e faleceu no Rio de Janeiro.

Foi a primeira mulher a se tornar membro da Academia Catarinense de Letras e teve a trajetória marcada pela defesa de temas considerados tabus, principalmente aqueles relacionados aos direitos das mulheres.

Aos dezenove anos, com a morte de seu pai e de um de seus irmãos, Maura teve que trabalhar como professora para ajudar a sustentar uma família de dez pessoas e, nesse tempo, também despertou e se consagrou como escritora e primeira jornalista do Estado.

Para melhor compreender Maura é de se notar que a jovem viveu as dores da primeira guerra mundial aos seus dez anos, em 2014 e, dos trinta e cinco aos quarenta, igualmente sofreu com as dores da segunda guerra mundial, iniciada em 1939.

E depois da segunda guerra, a vida ficou difícil para todos – uma nova ordem mundial havia que se estabelecer desde os destroços das construções e das almas doídas daqueles que sobreviveram com perdas imensuráveis.

Outras dores sobrevieram, decorrentes de processos e modelos nem sempre justos.

Talvez seja por isso que, numa fase mais conclusiva da sua vida, Maura se desnuda em suas percepções e contestações através de um poema que quero ler para as senhoras e os senhores neste encerramento de minha fala.

Antes de ler quero ressaltar que o poema de Maura é construído em apenas dois versos e duas frases. Cada verso, uma frase. Uma construção literária admirável onde ela critica um mundo que ela chama de imundo, com ditaturas, torturas e fome e onde, ao final, ela saúda e espera a chegada de um tempo com dias melhores, tempo este que ela chama de Nova Gênese:

EU NÃO VEREI A AURORA

Quando este mundo imundo desabar
caírem as ditaduras, a ignomínia das torturas
tiver fim, os povos forem
livres e fartos, as castanhas saltarem
festivas em todos os pratos
a longa noite acabar
eu não verei a aurora.

Eu não verei a aurora
e saúdo com aleluias
todos aqueles que a verão
temendo somente quer ela não venha
logo resplandecente e, ao surgir,
traga ainda estigmas do século
pálidos painéis de guerras e holocaustos
sombrias manchas de mártires e déspotas
sinistras forças esmaecendo
ainda doendo antes de tragadas
pelo esplendor da nova gênese.

O que diríamos hoje a escritora e jornalista Maura, se pudéssemos?

Eu, Oilson Amaral, diria:
- Maura, temo que Eu Também Não Verei a Aurora.


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