Poesias

 DESABAFO DE UM AIDÉTICO

Ontem é que eu fiquei sabendo
Que aos poucos estou morrendo
Que a minha vida acabou
Peguei um bichinho exótico
Está provado no diagnóstico

Elaborado pelo doutor

Fui pra casa deprimido
Busquei nas drogas, álcool, comprimidos
Um consolo pro meu mal
Fiz viagens alucinantes

E percebi após instantes
Que foi aí que eu consegui o Tal

Compartilhei mil seringas
E foi nesse pinga-pinga
Que peguei o HIV
Hoje vivo nesse tédio

Atolado de remédio
Enjoado de AZT

Já apresento os sintomas
Estou cheio de hematomas
Tenho febre, calafrios, dor
Estou chegando ao fim
Mas o pior ainda pra mim
É a falta de carinho e amor

À noite não tive mais sonhos
Só pesadelos medonhos
Atormentando o meu ser
Mostrando cenas do fim
Do que espera por mim
Que estou condenado a morrer

Hoje vim para o hospital
Pois já estou na terminal
Pareço até um morto-vivo

Só vivo à base de soro
E às vezes quando vem o choro
Eles me dão um sedativo

Que linda luz estou vendo!
O quê está acontecendo?
Me respondam por favor!
- Depressa, chamem o médico!
- Calma pessoal, que o aidético
Acabou de morrer, descansou


CAMBIRELA

Eu era ainda menino
Magro, tão franzino

Quando te conheci Cambirela
Vestias sempre um manto verde
E ias matar tua sede
Nas praias ao teu sopé, tão belas!


Quantas aves, quantos bichos
Belas árvores, lindas flores, que nicho!
Meu recanto natural
Suas lindas cachoeiras
Com cascatas, corredeiras
Que desaguavam no Pontal


Lembro-me deveras orgulhoso
Daquele perfume gostoso
Do ar puro emanado da serra
Das caçadas de gaiola
Das corridas de cascola
Ladeira abaixo, escorregando na terra


Quantas vezes te subia
Quando às vezes não chovia
Pelas trilhas do teu corpo
Só prá poder enxergar
A bela vista do mar
Lá do teu pico, no topo


Hoje roubaram o teu manto
Perdes-te todo o encanto
Já não és mais tão bonito
O teu verde amarelou
A tua fonte já secou
Por culpa do Homem, maldito!


O teu ar puro agora é poeira
Oriundo da Pedreira
Fonte da poluição
As cachoeiras secaram
As árvores já desfolharam
Que bárbara destruição!

De vez em quando eu ouço
Um grande estrondo no fosso
Que a seguir treme a terra
Ao longe, rumo ao infinito
Ouço um agonizante grito
Ecoando sobre a Serra


Eu sei que és tú, Cambirela
Que choras e gritas de dor
Que suplicas, que pedes clamor
Aos gerentes da Saibrita
Que com aquela broca maldita
Vão te deixando seqüelas


Quando choras, meu Cambirela,
As tuas lágrimas não são em vão
Além de baixar a poeira
Elas caem nas cachoeiras
E enchem o Cubatão


E agora, Cambirela?
O que faço desta fita?
Desta imagem tão bonita
Que gravei anos atrás?
O que faço destas fotos,
Desses pássaros, árvores, flores...
Do pouco que te restou?
Pois depois dos terremotos
Não consegui mais os focos
É o fim Cambirela, adeus, acabou


ISAURELLI

Isaurelli nome encantado
Fadado a sempre ser belo
Nutrido de singeleza
Mas de tão rara beleza
Que me entorpece e fascina
Quando a pronúncia sem rima
Entoa que és princesa

No âmago desta escrita
Bonita quando grafada
Há a essência de tudo
Como um ventre amorudo
Desabrochando pra vida
Mas presa por uma arrida
Envolta de amor, laçada

Da junção improvisada
Formada ao puro acaso
Nasceste enfim, Isaurelli
Na vida do teu Biéli
Quão vã seria esta vida
Sem tua fulgência querida
Cintilando os meus ocasos!


ELEIÇÃO

Num lapso de um biênio
Tu chegas toda excitada
De cores toda enfeitada
Revestes minha cidade
Transformando-a num proscênio
Pra teu discurso enfadonho
E entre pesadelos e sonhos
Eleges uma autoridade

Bem sabes que o teu povo
De ti não é partidário
Pois detesta aquele horário
Que a ti é reservado
Tão miserável estorvo
Que um preceito criou
E o teu povo acatou
Por pura passividade

Mas esta antipatia
No seio do povo arraigada
Não vai nos levar a nada
E nem será de verdade
Pilar da democracia
Pois a política moderna
Aplaude a quem governa
Vestido de honestidade


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