Panegírico

 Panegírico em louvor a Delminda Silveira de Souza - 16/10/1854 - 12/03/1932.

Por: Sonia Terezinha Ripoll Lopes.

Apresentado no dia 11 de junho de 2010, às 19h00min, na Biblioteca Barreiros Filho - Estreito - Florianópolis - SC.

 

DELMINDA SILVEIRA DE SOUZA nasceu em 16 de outubro de1854, na Prainha, Desterro, segundo sua Certidão de Batismo, expedida pela Paróquia da Catedral, Livro 18, Folha 92V.

Era descendente de açorianos, vindos para Santa Catarina, desde 1748.

Seu pai chamava-se José Silvério de Souza e, sua mãe, Caetana Xavier Pacheco Silveira, sobrinha do jurista e político de renome nacional, João Silveira de Souza.

Estudou Literatura, Francês e Latim, sendo aluna do poeta e professor, Wenceslau Bueno de Gouvêa, que também era dotado de profundo espírito religioso.

Delminda adquiriu elevado preparo intelectual através de aprofundados estudos pessoais, unidos a longas e proveitosas leituras, fatores que lhe deram a possibilidade de lecionar as disciplinas, Francês e Português, no Colégio Coração de Jesus. Não possuía Certificados de Conclusões de Cursos oficiais, uma vez que não estudou em Escolas Secundárias, o que a impossibilitou de pertencer ao quadro do Magistério Público. Mesmo assim, destacou-se como abnegada mestra em Instituições Particulares de Ensino. Entre as suas alunas, encontramos a grande escritora catarinense, Antonieta de Barros.

Delminda dedicou, humildemente, toda sua vida ao Magistério, de acordo com seu espírito extremamente religioso de mulher católica. Jamais se importou com a riqueza ou em fazer parte da vida social. De alma pura e singela, encantava-se em observar a natureza, as flores, o mar e os pássaros, tão presentes em seu versejar.

Sentimental, com sensibilidade imensa, às vezes deixava transparecer sua melancolia e desencanto.

Cantou a belezas de sua terra natal, enfatizou os apelos do seu coração, deixando transparecer em sua rimas, a dor e a paixão de Jesus, sem jamais fugir de sua linha romântica. Quão belos são seus versos cheios de sentimentos, de ternura e de formas perfeitas... Quanta emoção, ao sentir a nobreza de sua alma poética, estampada em suas obras... Não necessitava de enganosos rebuscados para expressar suas idéias. Com simplicidade e afeto, tal qual sua alma poética, abria as comportas do seu coração, ao deixar desaguar seu mar de romantismo.

Desde a juventude, Delminda manifestou seu gosto pelas Letras, mostrando, com maestria, seus dons poéticos. A tendência romântica sempre acompanhou seus passos, ao longo de sua carreira, com nuances, ora alegres, ora tristonhas, mas sempre na bela constância de poemas com perfeitas rimas e métrica.

Durante várias décadas, seu magnífico trabalho a tornou bastante conhecida e, consideravelmente, apontada como uma grande poetisa.

Apesar de sua brilhante carreira literária, tendo seus trabalhos publicados em vários Jornais e revistas da época, esta grande escritora manteve-se simples, modesta e introspectiva. Brotavam do mais profundo Ser, palavras de fina consistência, regadas ao mais doce sentimentalismo, que, ao eternizar-se no tempo, ainda conservam o brilho da mais cintilante sabedoria poética.

Sua companhia predileta eram seus livros, repletos de sonhos e de verdades... O espelho de sua alma meiga e afetuosa.

Por opção, escolheu ser solteira. Preferiu a solidão, a um amor que não correspondesse ao seu correto modo de pensar. Sonhava em encontrar seu grande amor, sua metade, alguém com quem pudesse dividir suas tristezas e alegrias, seus trabalhos e seu pensamento religioso. Quis continuar sendo simples, como as florinhas do campo, desprezando a pompa e as honrarias da sociedade.

“Eu sou a florinha que vive isolada, sem luz, desmaiada, no meio d’espinhos...”

Profunda tristeza, quase sempre, estava presente em suas bem-formadas rimas, também por saber da condição da mulher de sua época, aprisionada por injustos costumes.

Em seus textos e crônicas, na “Revista Mensageira”, Delminda defendia o direito da mulher à Cultura e ao seu desenvolvimento intelectual. Naquela época, a mulher somente poderia fazer o Estudo Elementar, dedicando-se totalmente aos afazeres domésticos e à educação dos filhos.

Delminda não se contentou com a inércia da clausura imposta pelos rigorosos costumes da época; voou para o infinito mundo da poesia, fazendo florescer o amor e a ternura em seus versos.

Mais tarde, esta grande poetisa catarinense, colheu maravilhosos frutos desta semente, carinhosamente plantada: foi a primeira mulher a assumir uma cadeira literária na Academia Catarinense de Letras, cadeira de número 10, atualmente ocupada pelo escritor e acadêmico, Júlio de Queiroz.

Dividia-se entre a dor e a alegria. Sua Fé fervorosa a aproximava de Deus, cantando, em versos, sua imensa religiosidade.

Dedicada, espontânea, com idéias límpidas, sem constringir a expressão num círculo de palavras, que tornam turvas as linhas do entendimento, Delminda Silveira de Souza ocupa lugar de destaque na Literatura Catarinense, com sua vasta criação de poemas líricos, sacros, patrióticos, Sonetos, Crônicas e textos, perfazendo imenso trajeto como poetisa de grandioso talento.

Jornais e Revistas da época publicavam produções de sua lavra, recebidos sempre com respeito e agrado, pois elevavam os sentimentos humanos.

Seus decassílabos bem metrificados e cheios de sentimentalismo, destacavam-se no meio literário, ao desenhar sua alma triste e sofrida. Apresentou-se extremamente romântica, mesmo nos poemas religiosos.

Amou seu País com extrema devoção. A simplicidade de seu jeito de ser, a colocava entre aqueles Seres que se purificam ao lapidarem as palavras com tanto carinho e zelo. Não confundiu suas palavras com inúteis subterfúgios gramaticais, empanando seu entendimento.

A tristeza de seu coração, a cada instante, surgia, como melancólica melodia, a encobrir sua desejada felicidade.

“Ai! Não perguntes ao triste

por que é triste o peito seu!

Não queiras romper o vôo

que o seu martírio ocultou!

Se um dia sentires n’alma

a dor que a esperança mata

terás a idéia exata

de por que tão triste sou!”

Delminda publicou, em vida, três grandes obras;

“Lizes e Martírios” (1908), “Cancioneiro” (1914) e “Passos Dolorosos” (1932). Após sua morte, foi publicado “Indeléveis Versos” (1989), sonetos já reunidos num conjunto pele autora.

Não foi possível datar os inéditos.

Além de poetisa, Delminda escreveu textos em prosa, contos, narrativas, crônicas e comentários.

No final da obra “Lizes e Martírios”, a autora inclui Prosa: “Folhas Soltas”, “Contos de Um Instante”, “Crisântemos”, “Lutuosas”, “Poesias Sacras” e “Um Diário Pessoal”.

Prosa - “Folhas Soltas”, “O Lírio Branco”.

“Nascido das lágrimas da aurora e dos beijos do dia, ele se abre nos relvados floridos do prado, d’entre as verdes fitas de sua planta viçosa, alvo como a espuma dos mares, como o flóculo de nuvem virgem das carícias do sol, como o amículo da castidade.”

O amor e ternura persistem também na prosa, cheia de encanto e de doces palavras. Delminda foi assim, terna e sensível...

“Contos de Um Instante” – Marabá

“Ela tinha a face da cor do jambo maduro, nem seus olhos eram escuros como as amoras da selva, e nem seu cabelo negro e corredio como o das outras virgens do sertão...”

“Crisântemos”

“São as últimas flores da minha Primavera.

Desabrochadas ao começo da tarde, são pálidas e

rorejas já do orvalho despertino, porém, mais cultivado,

talvez, esse meu segundo canteiro, suas flores são mimosas,

tão queridas à minha alma, como as primeiras,

abertas ao sereno alvorecer da minha adolescência.”

“Lutuosas”

“Sorrindo esmoreceu, como a bonina

que ao vir da noite as pétalas retrai,

cerram-se-lhe os olhos, langue a fonte cai

e ela adormece pálida e serena!”

“Poesias Sacras”

“Quanto fel, quantas lágrimas escorreram

aquele amargo cálix que esgotaste

na hora da tristura!

do Santo Arcanjo as puras mãos tremeram...

mas Tu, Ó Cristo! Aos lábios teus chegaste

a taça d’amargura!”

“Um Diário Pessoal”

“Obedecendo a irresistível necessidade de expandir a minh’alma com alguém que me compreenda, “alma irmã da minha” que me entenda, que sinta o meu sentir, nestes dias de lazer, propus-me escrever um diário que vos ofereço e dedico, por julgar-vos no caso de me compreenderes...”

Os jornais que publicaram o maior número de suas produções, foram: Sul-Americano ( 1900- 1903 ), assinando o pseudônimo Braz/Sília Silva, e A Fé Jornal (1902-1909), editado pela Associação Beneficente Irmão Joaquim, orientação da Fé Católica.

Outros órgãos de imprensa: Palavra, Crepúsculo, Gazeta do Sul, A Regeneração, A Pátria, Ilha Verde, Revista Catharinense, Folha Acadêmica, Oásis, Polianthea, A Phenix, Penna, Agulha e Colher, O Ideal, O Despertador, Jornal do Comércio, Almanach de Santa Catarina, Revista do Centro Catarinense de Letras, Anuário Catarinense, República, A Cidade (Laguna), Folha Livre (Joinville).

Em “Lizes e Martírios” (1908), seu primeiro livro, a conceituada escritora catarinense, expressa, em seus versos, várias facetas de sua personalidade. Posso ver brotarem flores de seus sentimentos, ora envoltos em angelical sorriso, ora perdidos em lágrimas sentidas, a emoldurar a real existência de seus dias.

“A primavera da minha vida teve suas flores, o sorriso da alegria, por vezes, descerrou meus lábios, como o raio de sol à nacarina rosa do vale... essa primavera, porém, não durou para sempre, enredando-se às brancas açucenas, a silva espinhosa do martírio, entremeia-se ao suspirar da rola ao festivo retinir dos risos...”

Sua infância e juventude no convívio familiar, são muito bem traduzidos por seus líricos versos, deixando, também, transparecer uma grande solidão e carência afetiva.

No amor, privando-se de seu amado, ruíram seus belos sonhos, e a tristeza instalou-se em seu sensível coração. Melancolia e saudade povoaram seus dias... sonhava com sua alma-gêmea, que a conduziria à plenitude do viver.

“Ah! Como é triste o meu viver solitário!...

Necessito amar e ser amada!

É esta a sede insaciada do meu afetuoso coração!”

Coletânea de poemas líricos, repletos de um romantismo sem igual, destacando a solidão, a simplicidade e a carência. A saudade grita em seu coração, soando em tristes versos de amor ausente.

“Ah! Como a rola, minh’alma geme,

Além, meu pensamento vai, saudoso!

Anseia o peito meu e a noite vê-me

E vê-me o dia neste ansiar penoso!”

Cancioneiro (1914) são poemas cívicos, de celebrações de datas e de heróis nacionais, Hinos Patrióticos usados em Estabelecimentos de Ensino, livro adotado por Decreto do governador, na Escola Normal, nos grupos Escolares, Escolas Complementares e Escolas Isoladas do Estado.

Sua alma patriótica falou mais alto, ao cultuar os Símbolos Nacionais e as belezas do Brasil, de forma esplêndida!

Obra de valor inestimável, cheia de candura ao se referir às coisas da Pátria Amada.

Nossa grande e querida poetisa dedicou esta obra a seus jovens conterrâneos, no intuito de inspirar, em cada um deles, instintos cívico-patrióticos.

“Pátria! – Venho trazer-te neste dia,

da minha pobre lira a harmonia

A homenagem do meu grande amor!

-Salve!- formosa Pátria Brasileira

-Estrela de Cabral, alvissareira

Flor das Nações - da Liberdade-Flor! “

Primeira Parte do Cancioneiro – Poesias comemorativas das principais Datas Nacionais.

“13 de Maio”

“Partem as naus, as proas altaneiras

Rasgando em flor d’espumas o oceano

Das velas enfunando o branco pano

Marinhas auras sopram mui fagueiras...”

Segunda Parte do Cancioneiro – Fábulas, Apólogos, e Poesias diversas para recitar.

Terceira Parte do Cancioneiro – guerreiros, poetas, oradores sacros,estadistas, jornalistas, heróis navais, pintor, músico, exemplo de piedade.

“Músico” – João Coutinho

“Inda repete a brisa suspirosa

A música sublime, genial

Com que saudade a Pátria Gloriosa

No Hino teu brilhante magistral!

Passos Dolorosos( 1932)- segundo livro de Delminda.

Revela o lado religioso e espiritual da autora. Fala sobre a dor e a paixão de Cristo.

“Sétima Dor”

“Entre os braços da cruz, o corpo alanceado

Do Mártir Redentor o Gólgota domina.

Maria, a Dolorosa, a terna Mãe Divina,

Nun êxtase de dor contempla o Filho amado...”

Delminda deixou também um conjunto de Sonetos, intitulado “Indeléveis”, publicado em 1989, pela Editora da UFSC, com estudo de Lauro Junkes..

“Poemas Dispersos”- transcritos de jornais e revistas.

“Casal”

“Era uma casinha bela,

porta verdes e muros brancos,

alvas cassas na janela,

franca entrada aos ares francos.”

“Prosa Dispersa”- de jornais e revistas

“A Tempestade”

“Retumbou o primeiro trovão, eu ergui os olhos ao Céu: era medonho o ocaso onde tantas vezes contemplava o sol poente, a afundar-se em regaços d’ouro!”

“Sonetos”- “Inocência”

“Rosa em botão no teu gentil bercinho

Feito de brandos vimes enastrados,

Entre gazes dos finos cortinados

Dorme ao terno embalar do meu carinho...”

“Manuscritos Autógrafos” – “A Ela”

“Tu, que n’alva da vida me sorrias,

Fada gentil do meu sonhar de amores,

tu, que nos melancólicos palores

das minhas tardes inda refulgias...”

“Caderno de Poesias”- “ Na Praia”

Por esta praia d’alva e fina areia

donde o soberbo, túrbido oceano

pródigo entorna, a cada maré cheia,

tesouros d’opulento soberano...”

“Caderno de Poesias Avulsas” - “Borboletas”

Entre botões de rosas desabrochantes

Elas vão-se,, elas vêm desocupadas,

D’aromas e doçura embriagadas

Ao sol abrindo as asas palpitantes...”

“Páginas Patrióticas”- “A Paz”

“A brisa pelas matas rumoreja

Vozes suaves que repete a fonte;

Um ai sereno, da planície ao monte

Mais brando e grato o coração bafeja...”

“Amor e Rosas a Santa Terezinha do Menino Jesus (1829)

“Oh, Amor, meu sublime e bendito

Que na terra deixou-nos Jesus!

Doce raio de sol Infinito

Que descera do alto da cruz...”

Em seu Diário Pessoal, Delminda expressa a necessidade de expandir sua alma com alguém que a compreenda, que sinta o seu sentir. A tristeza e a solidão vão surgindo, entre as palavras, num desejo imenso de ser feliz no amor. Um Diário de amor e de lágrimas...

Delminda era muito amada por seus pequenos alunos, seres de angélica inocência, florinhas e doce ingenuidade, como os chamava.

“Aproxima-se a primavera com seus encantos... minh’alma também já pressente o doce influxo, e sonho amar e ser amada, com esse amor doce e puro como o dos passarinhos e das flores. No entanto, eu que tenho a alma sequiosa de afeição, vejo-me só, triste e lastimosa, como aquele terno sabiá que ali vejo, preso, qual um criminoso, sem liberdade para o amor. Acho-me triste, tristíssima, desejo isolar-me no meu quarto, para sonhar escrevendo... Um só coração amante me bastaria. Quero um afeto imenso, sublime... Eu queria o teu doce afeto para ter num puro e santo amor recíproco, a harmonia do canto dos passarinhos, a doçura de mel das flores, a poesia e carinhos das rolas a arrulharem pela selva. Ah! Como é triste meu viver solitário. Pobre coração feito para amar. Dizem que Deus criou as almas aos pares. Por que não vem a mim o par de minha alma? Que afeição a distanciou de mim?

Hoje estou triste, como sempre! Sinto um vácuo imenso no coração... Junto a mim só indiferença e frieza... Se me queixo, zombam de mim. Não tem alma capaz de compreender-me! Com certeza, eu os incomodo com o meu viver retraído, isolado entre os meus livros, a escrever... Quantas vezes vem-me o desejo de chorar... e os meus olhos ficam emudecidos... Sou franca e tímida, como criança que precisa ser minada e repreendida! É tristíssimo esse meu isolamento, causa de todo meu padecer. Esses que me rodeiam são felizes, têm gosto pela vida. Vão aos divertimentos, não me convidam. Partem e me deixam só.

Fui à cidade, voltei com a mesma pressão da tristeza. Nada vi que me alegrasse e que me desse esperança. Que noite cheia de insônia! A chuva e o norte fustigam as árvores que gemem dolorosamente. O mar lamenta-se, batendo às lágeas da praia. Eu sofro, pensando nas lindas rosas que o vendaval desfolha, nas minhas doces e ilusórias esperanças que o desengano atira ao abismo o nada!

O meu ideal com quem sonhara era um homem inteligente e bem-educado, digno, enfim, do meu amor de poetisa, desse amor que “tem por força de ser belo!” E, esse Ser ideal que eu sempre amei e amo, quem sabe, se não o encontrarei na vida....porém, ele de mim jamais se percebeu!...

Continua minha tristeza... chove, não posso sair. Não perco a fé e a esperança. As flores, encharcadas, choram também.

Nunca ambicionei riquezas, prescindi dos prazeres o mundo, nunca desejei aparecer na sociedade, nesta sociedade tão falsa e corrompida.

Oh! Felicidade do lar, a santa sociedade de família; um esposo adorável a quem me ligasse de corpo e de alma, que além do afeto conjugal houvesse entre nós o afeto espiritual, essa afinidade intelectual entre duas almas irmãs. Tenho esperança de achar uma casa na cidade, para mudar-me. Como viver tão cheia de espinhos de minhas contrariedades? Morre a minha imaginação. Necessito de estímulos, não tenho quem me anime e aprecie, quem comigo trabalhe nos labores da inteligência. Amanhã finda-se o mês de setembro, que tristes e longos os dias para mim se passaram... Não pode a alma alegrar-me, enquanto a natureza chora. Entre a alma de poeta e a alma da natureza há uma grande simpatia e afinidade. Tenho dores de cabeça e sonolência. Ainda chove, nenhum gorjeio de passarinho. Nenhum sorriso da natureza. Vem ó sol! Vem ó graça de Deus, vem consolar-me! Traz –me a doce alegria das boas esperanças! Vem ó sol, ó carinhoso amante das flores !

Essas palavras dizem tudo sobre a alma solitária e carente de Delminda que, para fugir da solidão, escrevia e lia muito em seu quarto.

Desiludida com a vida social, prefere enclausurar-se no seu universo íntimo, místico e melancólico. Em atitude audaciosa para a época, com sua delicada postura, sem intenção, desafia os preconceitos machistas, assumindo a condição de escritora com sabedoria para atividades intelectuais.

Superando os preconceitos de seu tempo, deixou transparecer seu mundo interior, cheio de fé, sonhos, romantismo e verdades.

Sua poesia encheu o mundo de ternura. Assinava seus livros como Delminda Silveira, omitindo “de Souza”. Escreveu desde a sua juventude, trazendo como temática, o lirismo intimista, o misticismo religioso e o sentimento cívico-patriótico.

No poema “Stela Confidente”, Delminda revela toda sua desilusão no amor, mas, sem nunca demonstrar derrotismo ou desespero, pois sua grande Fé a sustentava nos momentos difíceis.

“Si a vida tem risos nos puros afetos,

Si há seres diletos que gozam venturas,

Si a vida tem gozos na aurora dos anos,

Pra mim tem enganos, sofrer, amarguras!

- Sorrisos, esperanças- meus sonhos mimosos,

Amores ditosos da quadra gentil,

- Ai! Foram perfumes, foi nuvem dourada

Que em fria orvalhada desfez-se sutil!

Fujamos, minh’alama, fujamos da terra,

Que as dores encerra do teu padecer!

Lá onde fulgura puríssima estrela,

A vida é mais bela, tem riso e prazer!

Delminda construía Sonetos impecáveis, com versos decassílabos. Prefere os quartetos. Sua linguagem possui alto nível poético.

“Turbado e triste o olhar, pendida enuviada

A fonte, incerta o passo, caminho, sem Norte,

Segui o viajor da vida pela estrada

Abrupta e fatal, que lhe traçara a sorte.”

Linguagem de alto nível morfológico, sem banalidades , explorando valores sugestivos e metafóricos, em nível semântico.

Tanto no Romantismo, quanto no Parnasianismo (inversão da ordem

dos elementos da frase), a sintaxe preserva uma característica muito comum.

Há, também, fortes contrastes dramáticos, embora suavizados por seu inconfundível lirismo.

“Naufrágio”

Vamos, o coração disse-me um dia,

de flores é o mar das esperanças,

solta-me, irei por essas águas mansas

a região dos sonhos, da Poesia.

Soltei-o; e bem feliz o conduzia

sem cogitar de súbitas mudanças;

sem ter saudades, sem levar lembranças,

de melhor tempo, nem d’outra alegria.

- Vagar! Vagar!- as ondas murmuravam;

lindos alciones pelo ar passavam;

e todo o Céu de rosas se enflorou!

Mas, súbito, escurece... ruge a vaga...

e bem distante da risonha plaga

o meu barquinho frágil naufragou!

Encontrou o amor que a vida lhe negou, em seus sonhos e poemas muito bem rimados e de rara beleza.

Faleceu em 12 de março de 1932, em sua residência, na Rua Visconde de Ouro Preto, nº 12, durante a celebração da Semana Santa, enquanto acontecia a procissão de Nosso Senhor dos Passos, fato informado pelo jornal “A Pátria”:

“Sucumbiu a pertinaz enfermidade que zombou de todos os cuidados médicos.

A certidão de óbito é do Sub-Distrito da Capital, folhas 17 3V do Livro C 20. A causa da morte foi arterio-esclerose generalizada (congestão cerebral).

Seu sepultamento se deu no cemitério da Irmandade Nosso Senhor dos Passos, junto ao túmulo do desembargador José Boiteux, fundador e presidente da Academia Catarinense de Letras.

Seu espólio literário foi entregue por seus familiares a José Boiteux, homem público e político, que ligou seu nome a alguns dos grandes empreendimentos culturais do Estado, como Fundação do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, da Academia Catarinense de Letras e da Faculdade de Direito, marco inicial do Ensino Superior no Estado.

Na mesma ocasião da morte de Delminda, o Jornal “A República”, na edição de 20/03/32, dedicou, integralmente, sua página, “Domingo Literário”, dirigida por Maura de Senna Pereira, à publicação de oito poemas extraídos do livro inédito, “Indeléveis”.

O grandioso talento, devoção e patriotismo de Delminda Silveira de Souza virtudes inerentes de pessoas especiais, merecem nosso respeito e imensos elogios.

Em sua homenagem, a Lei nº 12, de 22 de julho de 1936, registrou a Rua Delminda Silveira de Souza, situada na Agronômica/Trindade, entre a residência do governador e a penitenciária.

No Oeste do Estado, na cidade de Mandai, a poetisa catarinense foi homenageada, ao receber seu nome, a Escola Básica Delminda Silveira de Souza, por seu amor e dedicação ao Magistério.

Nossos sinceros agradecimentos ao Dr Lauro Junkes, presidente da Academia Catarinense de Letras, pelo grande trabalho realizado na Obra Completa de Delminda Silveira de Souza – Coleção ACL- nº 39, sem a qual, dificilmente conseguiríamos realizar este trabalho, devido à dificuldade que encontramos em pesquisar dados sobre a ilustre Escritora Catarinense.

Que suas obras possam encantar a todos, como encantaram a mim, levando-nos a um mundo de ternura e de pureza, tão diverso da “Selva de Pedras” em que vivemos. Posso sentir sua figura meiga e delicada, no doce convívio com a Natureza , conversando com suas florinhas, ao percorrer as veredas da Poesia.

Que sua tristeza e melancolia já tenham encontrado abrigo nos braços daquele, sempre lembrado Mestre, tão amado nas linhas de sua sacra-poesia.

“Nos ecos do trovão, do raio na vidência,

Dos mares, ao bramir no horror do vendaval,

Minh’alma reconhece a Excelsa Onipotência,

E vê do Santo Amor o influxo paternal.!”

Bibliografia : Obra Completa de Delminda Silveira de Souza – Coleção ACL – Nº 39 – de Lauro Junkes.


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