Panegírico


Panegírico em louvor a Luiz Delfino - 25/08/1834 - 31/01/1910.

Por: Eloah Westphalen Naschenweng.

Apresentado no dia 27 de março de 2018, às 15h00min, na Sede da ALP - Palhoça - SC.

 

OS PRIMEIROS ANOS

Luiz Delfino, nasceu em 25 de agosto de 1834, em Desterro, hoje Florianópolis, na Rua Augusta, mais tarde denominada Rua João Pinto.

Filho do comerciante, Tomás dos Santos Ferreira, que era natural de Alcobaça (Portugal), e de Delfina Vitorina dos Santos, natural de Desterro. Dos 10 filhos do casal foi o primogênito.

Recebeu o nome de Luiz dos Santos e mais tarde Delfino, em homenagem a sua mãe.

Aos seis anos foi matriculado no Colégio dos Jesuítas. Os Jesuitas mantinham seu ensino numa disciplina rígida de obediência e profundas noções religiosas. Essa educação imprimiu-lhe marcas profundas que mais tarde vieram caracterizar seus poemas. O estudo do Latim deu-lhe acesso a poética Clássica.

Aos 14 anos decidiu que um dia iria escrever um poema épico. Nessa época a cidade provinciana tinha cerca de 7.500 habitantes e a cultura era restrita e tradicional.

ESTUDANTE DE MEDICINA E POETA

No ano de 1850, acompanhado de seu pai Luiz Delfino e seu irmão Antônio, foi para o Rio de Janeiro para dar continuidade a estudos. Hospedou-se, juntamente com o irmão, na casa do melhor amigo de seu pai, Luiz Antônio Alves de Carvalho. Nessa casa, os irmãos permaneceram por 8 anos.

Luiz Delfino concluiu seus estudos de Humanidades na prestigiada escola particular, o Colégio Vitório.

Logo começa a escrever poemas, levado pela saudade da terra natal, evocando sua Desterro em “Saudades de Minha Terra”.

O Colégio Vitória ficava situado na mesma rua onde morava o poeta Gonçalves Dias. Conta-se que o jovem Luiz Delfino visitou o poeta mostrando uma de suas poesias. Lido o poema teria comentado o poeta: “Temos um novo poeta”.

Em 1852, tendo concluído o curso de Humanidades, Luiz Delfino ingressa na Academia Imperial de Medicina. Nesse ano de ingresso começou a escrever e publicar seus escritos na imprensa local.

Em 1853, morre seu irmão Miguel, época em que passou longo período com a família em Desterro, quando publica “Ave do Amor”, no Correio Catarinense, em duas partes, em 8 e 15 de março.

“Que ave de paz lá vem, trazendo em cuidos

No tenro bico tão mimosas flores,

Talvez colhidas de rosais de sonhos

Talvez medradas em vergéis de amores?”

 (primeira estrofe de cerca de 60)

Em 1857 se forma em Medicina sendo orador da turma de 32 formandos.  Em seguida visita a casa paterna e a “Ilha Gentil do Sul”. Visita derradeira, pois nunca mais reviu o pai nem sua Desterro.

CASAMENTO, FAMÍLIA E A CARREIRA

Em 1858 casou-se com Maria Carolina Puga Garcia. Logo após entrou para a Maçonaria. No mesmo ano nasce seu primeiro filho que recebe o mesmo nome que o avô, Tomás. Ao todo teve 4 filhos homens e 4 mulheres. Tomás, o primogênito, veio a ser médico e político; Aldo Delfino que acabou sendo escritor e membro da Academia de Letras de Minas Gerais; Carlos faleceu aos 10 anos de idade e Luiz Delfino Filho morreu também cedo, com problemas mentais. Das 4 filhas mulheres, Maricota, Carlina, Joaquina e Georgina, 3 permaneceram solteiras. Somente Georgina, a última, casou-se em 1905.

Delfino foi afetuoso pai e avô.

Em 1861, Luiz Delfino detém já prestígio médico. Considerado então, médico oficial da colônia lusitana.

Nesta época, o poeta entrou em conflito com o médico suspeitando da mentalidade preconceituosa da colônia lusa e recai então, num silêncio poético.

Em trégua com a poesia por 7 anos, o médico resolveu fazer fortuna investindo com sucesso em imóveis.

Luiz Delfino, o médico, o poeta e o homem de negócios preocupou-se sempre em ampliar sua fortuna e prestígio social. Desenvolveu um elegante e requintado estilo de vida. Avesso as rodas boêmias evitava os encontros nas confeitarias e outros ambientes literários.

Apesar disso, apreciava receber amigos, intelectuais e a mocidade culta em sua casa.

Vestia-se elegantemente. E conservou esta maneira de ser até seus últimos dias. Amava a moda.

Nos anos de 1870, quando a poesia brasileira buscava novos caminhos, Luiz Delfino volta a publicar seus poemas, mas nunca o deixou de escrevê-los. Publicou na Revista Brasileira em 1879, o poema longo “ Solemnia Verba” que causou um grande impacto aos leitores. Neste mesmo ano publicou seu primeiro soneto: “Nênia”, dedicado im memóriam ao amigo poeta Carvalho Júnior que havia falecido prematuramente com a idade de 24 anos. Seus sonetos foram publicados em diversos jornais e Revistas, em especial em “A Estação”, e na “Gazetinha”. O prestígio do poeta cresceu e, para a mocidade da época, Delfino tornou-se um mito e um ídolo. Na década de 80 as aspirações abolicionistas cresceram e em 1884, com a extinção da escravidão no Ceará, Delfino trouxe seu apoio pleno ao movimento com o poema longo “ A Nação”.

Reproduzo a primeira e a última estrofe;

“ Formosa, e grande, aspérrima, e selvagem,

Como retalho colossal de um mundo,

Tufões aos pés – na célere passagem –

Constelações à fronte, o olhar profundo,”

(Primeira estrofe)

“Aqui mesmo, onde queima o vosso peito

Fogo, que a santa Liberdade atiça,

Ela vem recordar-vos seus direitos

Vem reclamar seu dia de justiça...”

(Última estrofe)

A POLÍTICA NA VIDA DO POETA

Com a instauração da República e convocada a Assembléia Constituinte, Luiz Delfino com auxílio do catarinense Oscar Rosa, jornalista e escritor, e a convite de Antônio Justiniano Esteves Junior entra para o partido Republicano. Logo após a filiação, lança, com apoio do Partido, a sua campanha para senador do Estado de Santa Catarina. O partido Republicano, em setembro de 1890 elege 3 senadores: Raulino Julio Adolfo Horn, Esteves Junior e Luiz Delfino. Na mesma eleição seu filho Tomás Delfino foi eleito deputado Federal pelo Distrito Federal.

Durante o mandato de 3 anos do seu cargo como Senador foi atuante e levou suas responsabilidades com seriedade.

Em momentos especiais denunciou as violências ocorridas no seu estado natal, Santa Catarina, pelos Federalistas que depuseram o governo legal como também, as atitudes ditatoriais do Presidente Floriano Peixoto. Aos poucos, sua atuação parlamentar foi esmorecendo.

Ao concluir o triênio do mandato em 1893, retirou-se da vida pública e foi substituído por Gustavo Richard.

HELENA – A MUSA

Na década de 90, precisamente em1896, já com 62 anos começou um relacionamento amoroso com Eugênia Caldeira, sua afilhada de 20 anos. Essa paixão tardia rejuvenesceu o médico e o poeta. Foi uma época em que jorraram milhares de versos que cantavam a sua musa que na sua poética recebeu o nome de Helena. Recria então em versos um novo Éden. O amor com o tempo transformou-se em um romance clandestino e consequentemente em boatos maledicentes.

Tempos depois Eugênia resolve casar e constituir família. Abalado com a decisão da amada, o êxtase lírico de seus poemas em que canta ardentemente o corpo da amada   cede a violência trágica e escreve “ Castigo dantesco”.

O POETA

Luiz Delfino, com uma extensa produção de poemas, navegou entre o Romantismo e o Parnasianismo passando pelo Simbolismo. Foi o parnasianismo que o levou a identificar no soneto o seu veículo ideal de expressão. A perfeição na rima em métrica dá cadência e musicalidade à  sua obra.

O amor e a mulher eram seus temas preferidos.

Apesar dos projetos e planos de publicação de seu acervo poético, ao longo de sua vida, não o fez.

Depois de sua Morte, sua obra foi publicada em quatorze livros, por seu filho, Tomás Delfino dos Santos, entre 1926 e 1943.

Em 1898, em pleno romance com Eugênia, a sua musa Helena, sua produção foi intensa. Apesar de poeta consagrado, não fazia parte de nenhuma Associação Literária, nem da Academia Brasileira de Letras. Era considerado um solitário, fiel a suas crenças e muito amado como poeta e humanista.

Mas, foi em 29 de dezembro de 1898, sem consulta ou votação, foi eleito, pelos próprios colegas escritores, como "Príncipe dos Poetas Brasileiros".

Em 1899 publica na Revista “ Meridional” e depois na “ Cidade do Rio”, o poema “ As três irmãs”, poema logo consagrado.

AS TRÊS IRMÃS

A mais moça das três, a mais ardente e viva,

Aquela que mais brilha,

Quando, sorrindo, aos seus encantos nos cativa,

Eu amo como filha.

A segunda, que tem da pálida açucena

Aberta, de manhã,

A cor, o cheiro, a forma, a languidez serena,

Eu amo como irmã.

A outra é a mulher, que me enleia, e fascina,

É a mulher que eu chamo

Entre todas gentil; é a mulher divina,

É a mulher que eu amo.

A mais moça das três é linda borboleta;

Entra, abre as asas, sai:

Não compreende bem, não nega, nem rejeita

O meu amor de pai.

A segunda é a flor de essência melindrosa.

De rara perfeição;

Não sei se ela desdenha, ou se ela entende, e goza

O meu amor de irmão.

A terceira é a mulher: anjo, monstro, hidra, esfinge,

Encanto, sedução;

Amo-a; não a conheço: é verdadeira, ou finge?

Não a conheço, não.

Se a primeira casasse, oh! que alegria a minha!

Eu lhe diria: Vai!

Veria nela um anjo, um astro, uma rainha.

O meu amor de pai.

Se a segunda casasse, eu mesmo iria à igreja,

levá-la pela mão:

Dir-lhe-ia: o céu azul virar-te aos pés deseja

O meu amor de irmão.

Se a terceira casasse, oh! minha infelicidade!

A mais velha das três,

No horror da escuridão, fora uma eternidade.

A minha viuvez.

Se a primeira morresse, oh! como eu choraria.

A minha desventura!

Com lágrimas de dor lavara, noite e dia,

A sua sepultura.

Se a segunda morresse, oh! transe amargurado!

Eu choraria tanto.

Que ela iria boiando, em seu caixão doirado,

Nas águas do meu pranto.

Se a terceira morresse, em seu caixão deitada,

Sem que eu chorasse, iria,

Porque noutro caixão, ó minha morta amada. Alguém te seguiria...

Luis Delfino

SONETOS

Na edição da Poesia Completa de Luiz Delfino, organizada por Lauro Junkes e publicada pela Academia Catarinense de Letras em 2001, no Tomo I, estão includos os seus sonetos num total de 686 páginas.

Na forma clássica, Luiz Delfino obedeceu aos 14 versos, mas muitas vezes inverteu a ordem de dois quartetos e dois tercetos.

Os sonetos foram compostos mais no final da vida do Poeta. Todos foram publicados em livros pelo filho Tomás Delfino sob a ordem e os títulos, conforme sumário na edição da Poesia Completa Tomo I.

ALGAS E MUSGOS

OMBREIRA 

Vagas cheirando a brisas das balseiras

Que vêm do oceano, um suspiro apenas,

E trazem conchas de oiro e de açucenas,

À flor da areia, expondo-as em fileiras,

Grutas soltas de nácar: mais não queiras

Nestes poemas ter; — são vãs falenas,

Que, para ir iludindo algumas penas,

Ato às asas da noite, e aí vão ligeiras.

Verás algumas pérolas, se fores,

Quando as ondas não crespas vão rolando,

Quando da tarde a luz cambiando as cores,

E ora azul e ora verde o mar baixando,

Têm nas escamas trêmulos fulgores,

E abrem-se às praias num bocejo brando...

INTIMAS E ASPÁSIAS

O RISO

Quando o véu melancólico, que enchia

De graça austera e força radiante,

Num momento melhor de humor rompia

No riso, que humanava o seu semblante;

Quando nos lábios ele aparecia,

Buscava-a um anjo, e vinha inda distante,

Mas quando ele cantava, e quando ria,

Quando esse riso ria-se bastante,

Eu via tudo em torno acompanhá-la:

Um rouxinol dos ângulos da sala

Cantava, e ria alegre o espaço ao vê-la.

E para não ouvir naquele riso

Cantar o firmamento, era preciso

Não saber como canta o céu e a estrela.

ROSAS NEGRAS

QUE VOS DARIA?

Se tiverdes um dia um capricho, senhora,
Um capricho, um delírio, uma vontade enfim,
Não exijas o carro azul que monta a Aurora
Nem da estrela da tarde o plaustro de marfim;


Nem o mar, que murmura e aí vai por mar em fora
Nem o céu d'outros céus, elos de céu sem fim,
Que se isso fosse meu, já vosso, há muito, fôra.
Fôra vosso o que é grande e anda em torno de mim...

Mostrásseis num só gesto ingênuo, um só desejo...
O universo que vejo e os outros que não vejo
Sofreriam por vós vosso último desdém.

Que faríeis dos sóis, grãos vis de areias d'ouro
Mulher! Pedi-me um beijo e vereis o tesouro
Que um beijo encerra e o amor que um coração contém.

 

ARCOS DE TRIUNFO

UM ARCO DE TRIUNFO

Dê-me uma grande lágrima a procela,

Talhada como um bloco de granito,

Olhos postos no céu e no infinito

Eu levantara a sua estátua nela.

Que vulto augusto, que figura bela,

Que herói, que semideus do antigo rito!

Dou-lhe meu arco de triunfo, - um grito:

Dou-lhe o meu panteão, - uma capela.

Não basta: quero que entre na floresta,

E ouça os faunos e as dríades cantando

Seus cantos, dele em torno em coro, e em festa.

E quando ele voltar de ouví-los, quando

Busque o leito, terá, na longa sesta,

Da glória o colo, e em pranto, ela o embalando...

IMORTALIDADES – LIVRO DE  HELENA

Love is my sin...

Shakespeare – Sonnets

À Helena 

Com sombras deste lado e luz do lado oposto,

Este livro reflete a tua alma e o teu rosto:

Vem de ti este livro, e é para ti somente,

Bem que não sei quem és; que às vezes me pareces

O anjo doce do amor, o casto anjo das preces;

Que outras vezes erguendo a cabeça imponente,

O olhar fulvo brandindo, e a voz austera e rouca,

Do arcanjo que caiu tens o orgulho insensato;

Que me pareces boa e me pareces louca;

Estrela, que se mira em límpido regato;

Vulcão, que tem rugido e chamas de cratera;

Céu, onde habita o raio e o sol da primavera;

Abismo, onde a alma cai em sombra, que a devora;

Que tens luz, que eu não sei se é do inferno, ou da aurora,

Se vem dos anjos bons ou dos anjos danados;

Ser superior, que esmaga Anteus desesperados,

Monstro, esfinge, colosso informe enfim que odeio

E que amo, e cujo casto e monstruoso seio

Tanto me faz querer, como fugir, e cujo

Atrativo é maior, quanto mais dele fujo;

Clarão, do qual em torno ando queimando as asas,

Sentindo bem que morro à luz com que me abrasas:

Foi por ti que escrevi este livro, indeciso,

Um pé fora e outro pé dentro do paraíso.

 

O AMOR

O amor!... Um sonho, um nome, uma quimera,
Uma sombra, um perfume, uma cintila,
Que pendura universos na pupila,
E eterniza numa alma a primavera;

Que faz o ninho e dá meiguice à fera,
E humaniza o rochedo, e o bronze, e a argila,
Sem o afago do qual Deus se aniquila
Dentro da própria luminosa esfera.

A música dos sóis, o ardor do verme,
O beijo louco da semente inerme,
Vulcão, que o vento arrasta em tênue pós:

Curvas suaves, deslumbrantes seios
De vida e formas variegadas cheios.
É o amor em nós, e o amor fora de nós

.

IMORTALIDADES II

Deixa o tempo passar; e embora passe

Do corpo teu o mármore divino,

Ficará impoluto: em tua face

Sempre há de haver um brilho peregrino.

Eu ensinei as cousas; e inda ensino

O prazer a sorrir-te, onde te achasse:

Segredei uma prece ao teu destino:

Hás-de ser, como o sol, que morre, e nasce.

Não perderás a tua mocidade;

Rasguei-te funda esfera azul, serena,

Onde abrirás as asas à vontade;

Onde podes ser água, ou ser falena:

Dei-te a beber a Imortalidade

Nos versos meus. Fui o teu Deus,

Helena.           

                                                                                                                           

 IMORTALIDADES III

Surge Adão: Eva após; Deus os exorta.
Tinham no Paraíso eterno encanto;
Roubam O fruto, que é vedado, e entanto
Deles toda a ventura é logo morta.

A vista deles Deus já não suporta,
E envolve a face irada em rubro manto;
Cai-lhes dos olhos o primeiro pranto:
Rangeu, o Éden fechando, a brônzea porta.

Tinham lá dentro sândalos e nardos;
O anjo de Deus em fogo a espada eleva;
O Sol golpeia-os com seus áureos dardos;

Urram leões em torno, ao pé, na treva.
Eriça-lhes a terra urzes e cardos...

Mas ao seu lado…Adão inda tem

 

POEMAS LONGOS

O segundo exemplar da Poesia Completa de Luiz Delfino- Tomo II é composto por poemas longos  em 736 páginas.

Este volume está organizado de acordo com os 7 volumes publicados pelo seu Filho, sob os títulos:

Poemas, Poesias Líricas

A Angústia do Infinito

Atlante Esmagado

Esboço da Epopéia Americana

Posse Absoluta

O Cristo e a Adúltera

Entre os poemas longos em Poesias Líricas destaco:

 

HISTÓRIA DE UM AMOR

Nesta página molhada

Com uma lágrima de dor,

P’ra sempre deixo lembrada

A história de nosso amor.

Que queres tu que  eu faça?

Achei-o em meu coração:

Podes chamá-lo desgraça:

Não erras, não mentes, não!

Este amor, que foi gerado

De um raio dos olhos teus,

Pelo destino embalado,

Talvez maldito de Deus,

Eu não queria. Não pude

Nunca a ideia conceber

De te manchar a virtude,

Auréola do teu viver.

Mas disse: — pode-se amá-la,

Sem ela mesmo o saber:

Vê-la em sonhos e beijá-la,

Cair aos seus pés prostrado,

Febril, louco, delirante;

Pois este amor ignorado,

Que a mim me fora bastante,

Que mal lhe pode fazer?

Cri eu, ser o mesmo, amá-la,

Bem como se ama a pintura

De um quadro, que por ventura

Caiu sob o nosso olhar.

Tão baixo estava a mirá-la

No céu tão alto em que a via,

Que eu a mim próprio dizia:

— Não há perigo em amar.

Há tanta cousa que amamos

Sobre este pobre planeta,

Há tanta cousa que olhamos

Sem que um crime se cometa,

Que a olhar mais docemente,

Mesmo com certa paixão,

Ser mesmo um pouco imprudente

Num terno aperto de mão,

Quando tinha em minha frente

Essa sublime visão,

Esse raio de alegria

Que dava em meu coração,

Que dentro da alma vibrava,

E de um mistério a inquietava,

De emoção a embebecia,

Que ante essa mulher sublime,

Ai! tudo ser bem podia,

Mas não podia ser crime

O que fosse admiração.

E pus-me a amá-la. — Gostava

De olhá-la profundamente:

Nessa fronte inteligente,

Que como o céu se encurvava,

Eu lhe procurava a história

Do que dentro se passava:

Minha fronte merencória,

Como vergasta pendida,

Bebia o calor da vida

Na vasta chama, em que toda

Parecia ela envolvida.

Era um perfume de roda

Na nuvem dos seus vestidos!

Dos seus cabelos compridos,

Negros, finos, luzidios,

Saíam como que rios

De luz cambiante e cheirosa,

E sobre a fronte orgulhosa

Enrolados lhe pousavam,

Como coroa cintilante;

Os seus pés escorregavam

Sobre o tapete da sala,

Como os silfos, que passavam

Sobre os seus lábios sem fala,

Mas onde se adivinhava

Na ligeira convulsão

O acumular-se da lava

Na cratera do vulcão.

Essa boca não falava!

Mas ai! dela o que eu ouvia!

Era uma eterna harmonia,

Que minha alma inebriava.

Já não tinha liberdade

De fugir ao encanto dela...

Era queimar-me à vontade

As asas em luz tão bela...

Envenenara-me a essência

Que seu corpo trescalava;

Louco já, sem consciência,

Preso ao meu cego desejo,

Pela morte procurava

No fundo abismo de um beijo.

Ai! eu já me deleitava

Não sei com que pensamento:

E depois? Que me importava

Esse importuno depois,

Que fora talvez mortalha

Que um mau destino só talha

Para pôr sobre nós dois.

Sobre nós dois? — Porém ela

Tão pura e casta e tão bela,

Não! amar-me não devia:

Nem mesmo amar-me queria...

Custava-lhe muito... tanto,

Que a revoltava... No entanto,

Quando eu aos seus pés chegava,

O seu olhar de rainha

Tão doce se aveludava,

Tão doce chama continha,

Que o rosto lhe iluminava;

Que não era ilusão minha,

Também ela se alegrava

De ver-me, como eu a via:

Ai! assim de dia em dia

Surdo incêndio se ateava.

Lavrou o fogo... A virtude

Quase estalava por fim:

E nesta batalha rude

Não sei dela, nem de mim.

Eu sou o mar que soluça

Na praia, em que se debruça,

Como esplêndida voragem

Espelhando a sua imagem;

Ela é a planta isolada

Que sobre a praia deixada

Do vento ao rijo fragor,

Sobre um árido rochedo

Nasce, vinga, e cresce a medo,

Dando solitária flor.

Se a tempestade passar

Na asa de um vento mais forte,

Pode ela encontrar a morte,

Rojada ao fundo do mar.

Nesta página molhada

Com uma lágrima de dor,

P’ra sempre aí fica lembrada

A história de nosso amor.

JESUS AO COLLO DE MAGDALENA

Jesus expira, o humilde e grande obreiro!

Sobem já pela cruz acima escadas;

E nos cravos varados do madeiro

Os malhos batem, cruzam-se as pancadas.

Ouve-se o choro em torno. As mãos primeiro

Inertes cahen no ar dependuradas;

A fronte oscila; arqueia tronco inteiro

Nos braços das mulheres desgrenhadas.

Soltam-se os pés. Augmenta o pranto e queixa;

Só Magdalena ao oiro da madeixa

Limpa-lhe a face , que de manso inclina.

E no meio da lagrima mais linda,

Com o dedo erguendo a palpebra divina,

Busca vêr se Elle a vê... beijando-o ainda!... 

(Obs. Conservamos a ortografia original, tal como aparece no cartão).

Este exemplar  faz parte de uma coleção de 16 “bilhetes postais” da coleção particular de Antonio Miranda registrada no texto Poesia em Cartão Postal Antigo.

Cartão postal antigo; bilhete postal – old postcard – tarjeta postalantigua – 
Editor/publisher M. OROZCO, Rio de Janeiro circa 1904)

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 CAPAS DOS LIVROS DE lUIZ DELFINO

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS

Luiz Delfino Tomo I – Poesia Completa-Poemas Longos, Florianópolis: Edicão ACL, 2001:

Luiz Delfino Tomo II – Poesia Completa-Poemas Longos, Florianópolis: Edicão ACL, 2001:

Blog Antonio Miranda: Cartão postal antigo Editor/publisher M. OROZCO, Rio de Janeiro circa 1904);

Internet , disponível em:

<www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/santa_catarina/luis_delfino.html acesso em: janeiro 2018;

<www.literaturabrasileira.ufsc.br/_documents/poesiasliricas-delfino-1-1.htm >acesso em: janeiro 2018;

<www.jornaldepoesia.jor.br/ld.html >acesso em: janeiro 2018;

<https://pt.wikipedia.org/wiki/Luís_Delfino> acesso em: janeiro 2018;

<https://www.escritas.org/pt/bio/luis-delfino>acesso em: janeiro 2018.

 

 

 

 

 

 

 


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