Contos

A Viagem de Pedro

Obra extraída da Antologia da Academia de Letras de Biguaçu, “Aconchego.”

1999... Dezembro chegou com toda a alegria, esperanças, sonhos. Todos parecem viver mais intensamente nesta época festiva. Os sonhos se renovam, a felicidade explode em cada coração.

Pedro pensa na família, na tia distante. Resolve viajar. Há tempo não vê sua estimada tia Benta. Ela já está idosa, será bom revê-la, bater papos animados até a madrugada. Colocar em dia as novidades sobre a família.

- Moço, dê-me uma passagem para sexta-feira, 21 horas.

- Para São Paulo?

- Não, para o Rio de Janeiro.

Saiu feliz da Rodoviária. O ônibus executivo, confortável, um horário adequado, poderia chegar calmamente após o trabalho.

A semana de férias seria bem aproveitada.

Trabalhou todos os dias alegre, na expectativa da viagem. Que bom rever os parentes! E sua tia, aquela senhora loquaz, extrovertida, que gostava tanto de falar sobre a família, a árvore genealógica, os parentes famosos...

Pedro sentiu-se solto, livre... enfim, respiraria ares novos esquecendo os problemas da repartição. O cansaço e o excesso de trabalho haviam minado suas forças... Era necessário distrair-se, buscar energias novas.

Em casa começou os preparativos para a viagem. Levaria pouca roupa e alguns presentes para sua tia. Um terno seria indispensável, nunca se sabe...

Procurou, procurou... não achou a mala adequada. Havia emprestado para seu irmão e ele não a devolvera.

Fez a comparas necessárias, pagou as contas do mês, retirando algum dinheiro para viajar. Costumava levar cheques e cartão de crédito, porém pouco dinheiro.

Tudo estava organizado para poder divertir-se tranqüilamente.

A última vez que visitara a “Cidade Maravilhosa” sua mãe ainda era viva e o acompanhou. Naquela época a cidade era cantada em prosa e verso pelas suas belezas naturais, pelo seu povo hospitaleiro, bem como pela qualidade de vida do povo carioca. Era invejada por todos. Cidade de encantos mil...paraíso dos turistas estrangeiros. Férias no Rio de Janeiro era algo fantástico, encantador, charmoso.

Ah! Rio de Janeiro e suas praias famosas: Copacabana, Leblon, Ipanema e várias outras. Terra da Bossa Nova, da garota de Ipanema, do Tom Jobim e do Vinícius... Ah! Que saudades me dá daquelas tardes tranqüilas à beira-mar, jogando um baralhinho, vendo as garotas passar, tomando uma deliciosa caipirinha. Como nos divertíamos nas férias em casa da tia Benta! Os primos eram animados, costumavam passear bastante mostrando-nos os pontos turísticos. Bela cidade, a mão de Deus foi generosa e esculpiu maravilhas inigualáveis no Rio de Janeiro. É uma das mais lindas cidades do mundo. Passar no Rio de Janeiro era um prazer imensurável.

Mamãe faleceu há vinte e cinco anos. Neste período muita coisa mudou. Drasticamente surgiram as transformações, violentas mudanças que em nada beneficiaram a cidade, as pessoas, o modo de viver. O mundo adquiriu uma nova face. Algumas cidades melhoraram bastante, outras não tiveram a mesma sorte.

E a “Cidade Maravilhosa” foi descaracterizada, ficou suja, pobre, violenta e assustadora... hoje carrega o estigma da incerteza, da insegurança, do terror, da corrupção, do tráfico incontrolável. É infelizmente o paraíso dos traficantes de drogas. Pobre cidade tão bela e abandonada aos insensatos, aos políticos demagogos, aos violentos traficantes onde a ambição fala mais alto, o vício domina; império dos corruptos “ silveirinhas” que se ocupam de matá-la a cada dia.

Preciso ver de perto o que fizeram com a minha bela Guanabara. Preciso sentir as sensações que o povo carioca hoje carrega! Por que chegamos a esse ponto? Por quê?

Acordo na esperança de realizar um bom período de descanso em casa de tia Benta. Vou para divertir-me e descansar... descansar bastante das tarefas rotineiras.

Ah! Enfim chegou, a libertação! Viajo hoje à noite!

Instalado na poltrona dezessete, Pedro rememora os instantes felizes que já passara com os parentes cariocas. São tão alegres extrovertidos, bem dispostos. E ele precisa dessa injeção de ânimo para revigorar suas forças. O ônibus parcialmente lotado, algumas pessoas deverão embarcar em Balneário Camboriu.

Pedro lê as notícias do jornal local até cochilar um pouco.

Balneário Camboriu à vista! O ônibus já chegando, aqui embaraçarão várias pessoas.

Pela janela, Pedro observa a adversidade dos passageiros...jovens, idosos, crianças, gordos, magros, muito gordos... Nota uma bela jovem, de longos cabelos loiros, bem vestida, com aspecto saudável empurrando uma mala de razoável tamanho. E imagina, o que fará nesta época tal jovem numa cidade como o Rio de Janeiro? Irá visitar parentes, o namorado, alguns amigos imersos em conjecturas. Pedro não vê a jovem aproximar-se.

- Com licença, posso sentar-me?

- Ah! Sim, claro.Fique à vontade.

E a viagem prossegue tranqüilamente. Em Curitiba há uma parada e alguns passageiros descem para lanchar ou simplesmente descer e “esticar as pernas”. Pedro desce para tomar um cafezinho e a bela passageira faz o mesmo.

No balcão do café certas pessoas entabulam uma rápida conversação sobre a viagem, a política, sobre futebol...

- O senhor mora no Rio de Janeiro?

- Não, respondeu Pedro, vou a passeio, e você?

- Vou viver uma vida digna e melhor. Consegui um emprego numa empresa estrangeira, vou trabalhar no Rio. Estou muito feliz. Chegou a minha hora de melhorar de vida.

- Ótimo! Que bom ! Você deverá gostar de lá, sem dúvida!

- Vou com a certeza de que tudo irá mudar. Meus pais são contra e ficaram entristecidos, podem decidir acompanhar meu namorado que é carioca.

- Ah! Sim, entendo.

- Passageiros do ônibus 667, das vinte uma horas, com destino ao Rio de Janeiro, queiram dirigir-se à plataforma de embarque.

- Vamos, o ônibus já irá sair, exclamou Pedro.

- Irei depois, não se preocupe. Preciso usar o orelhão e falar com William.

Todos bem acomodados, o ônibus segue em ritmo sossegado. A estrada está boa, pouco movimento. O silêncio é total. Todos descansam. Lá fora os ruídos dos carros, caminhões e ônibus fazem uma serenata ensurdecedora, um grande rebuliço.

Passadas algumas horas, o ônibus entra em Registro, próximo a São Paulo. Poucos descem, a maioria dorme sossegadamente. Pedro pensa em ficar no ônibus.

- O senhor não vai descer? Aí tem coisas ótimas para se comprar. Existem umas excelentes lembrancinhas!

- Ah! Sim, tem razão, quero comprar um brinquedo para a netinha de minha tia.

- Vamos, eu posso ajudá-lo a escolher! Adoro fazer compras... Alegremente, Pedro desce do ônibus acompanhado da bela passageira e dirige-se à loja de conveniências.

- Olha que lindos brinquedos, casinhas, bonecas, bolas... há tudo que possa imaginar em brinquedos! Há presentes para todos os gostos.

Hesitante, Pedro olhava os brinquedos, procurando algo bonito e de bom preço.

- Vem cá, olha aqui! Que bichinhos lindos!

Pedro viu um lindo cachorrinho peludo, encantador. Decidiu que o levaria.

- È lindo! É lindo! Com certeza ela irá gostar. Como é seu nome companheiro de viagem?

- Chamo-me Pedro, e você

- Eu sou Deise do Pantanal, todos me conhecem.

- Muito prazer! Vamos logo, quero pagar e ainda tomar um cafezinho.

Após as apresentações formais, Pedro e Deise conversaram longamente no percurso São Paulo-Rio de Janeiro. Ouvia-se a risada fácil de Deise no silêncio da madrugada.

Pedro estava radiante. Sua face transbordava uma alegria contagiante. A viagem começara muito bem, além de divertir-se conhecera uma jovem inteligente e agradável, bom de papão. E por um longo período, só ouvia-se a conversa dos dois, pareciam velhos amigos.

Mais tarde, Pedro resolveu dormir um pouco, pois teria um dia agitado com a tia e os primos.

- Está bem. Já conversamos bastante, vamos descansar, pois a viagem é longa.

- Certo, Pedro. Estou muito feliz de tê-lo conhecido, assim a viagem tornou-se mais agradável. Vamos descansar. Ah! Espere! Aqui tenho umas ótimas balas de goma, chupe algumas antes de dormir.

- Valeu! Obrigado! Adoro balas de goma,você acertou, são ótimas.

- Obrigado, Deise.

Rapidamente o ônibus vence as estradas quase vazias em direção ao Rio de Janeiro. No meio da semana, o movimento é menor. Todos dormem tranqüilamente. O silêncio é absoluto.

Finalmente, deslumbra-se a bela natureza do Rio de Janeiro. Um pouco antes da rodoviária, o ônibus faz uma rápida parada para verificar a documentação do ônibus.

- Motorista, preciso saltar aqui. Meu namorado espera-me de carro. Ele mora próximo dessa parada, se possível... seria ótimo.

- Ok! Vou atender ao seu pedido, jovem, mas não é comum os passageiros saltarem nesta parada.

Assim falando, o motorista desceu e abriu o bagageiro, retirando a mala da moça. Um rapaz forte, alto, moreno aproximou-se, após beijá-la levou a mala e encaminhou-se para uma Variant verde.

O ônibus prossegue sua viagem. Finalmente, nosso ônibus pára. Chegou a seu destino. E todos se levantam pegando as bagagens de mão, alguns estão bem despertos, outros sonolentos, a viagem é longa, cansativa.

- Mãe, o moço ali ainda dorme. Não viu que chegamos.

- Tem razão, vamos avisar o motorista.

- Um senhor da cadeira ao lado da nossa não acordou. Tentei chamá-lo, mas não me ouviu.

- Pode deixar, irei chamá-lo, falou o motorista.

Todos os passageiros desceram, o ônibus iria para a garagem, mas um passageiro ainda dormia.

- Moço, acorde. Já chegamos.

E o motorista insistiu por alguns minutos até chamar uma funcionária da empresa para verificar o ocorrido.

- O que houve? Ele ainda não acordou? Com todo esse barulho?

- Ah! Já sei! Deixe-me ver se tem algum documento em seu casaco, falou o motorista.

- Pedro... Pedro Aguiar de Florianópolis. Não vejo seus pertences de mão. Vamos ver no bagageiro, se sua mala está lá. Devemos encaminhá-lo ao hospital, pois dorme profundamente.

-É, mais uma vez o “Boa Noite Cinderela” fez mais uma vítima”, falou o motorista.

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